Eu não tinha nada para fazer naquela noite. Havia saído do trabalho, deixei a pasta em casa e, sem nem mesmo trocar de roupa, passei a caminhar pelos quarteirões à luz de postes que mal iluminavam meu caminho. O vento frio da noite soprava minha gravata para cima do meu ombro, eu não me importava. Não tinha dinheiro nem para comprar um prendedor de gravata, então não poderia me desfazer desse terno velho na próxima caçamba. Queria jogar tudo isso fora.
Afrouxei o nó da gravata e abri o
primeiro botão da camisa. Muito melhor. Notei que já havia andado
por umas quinze quadras e não sabia mais onde estava. Vi um bar com
karaokê, daqueles que as pessoas costumam ir para pagar mico ou vão
quando estão completamente sem rumo. Entrei.
A
sensação de calor foi imediata. Muitas mesas estavam ocupadas e
havia um senhor barrigudo cantando “Pais e Filhos” do Legião
Urbana, completamente fora do ritmo. A luz ligeiramente alaranjada
fazia com que eu não conseguisse identificar as bebidas nas mesas.
Me sentei a meia distância do palco e pedi uma cerveja. Nada melhor
do que gastar as últimas notas da carteira com futilidades.
Tirei
os sapatos e os amoitei debaixo da cadeira. Me debrucei sobre a mesa
e senti o cansaço me possuir. Quase dormi quando um moço me
cutucou, havia trazido a minha cerveja. Agradeci com um sorriso
forçado. Dei um gole, afastei o copo e voltei a me deitar. Pensei se
esse seria um bom momento para chorar, e se não fosse, quando seria.
Fui
despertado dos meus devaneios por uma voz melodiosa e imensamente
doce cantando: “E enfim sou a mesma palavra num outro sentido / Mero
menestrel das angústias urbanas / O louco Quixote da grande cidade, / Da
realidade, moinho a vencer”.
Eu
conhecia aquela música, mas não conseguia me lembrar do nome. “Qual
era mesmo o nome dessa música?” pensei, e por mais que tentasse,
não consegui recordar até que ela terminou de cantar a canção,
recitando toda a letra uma segunda vez. Só então levantei a cabeça
para olhar a dona de voz tão bonita.
Ela
estava descendo do palco, sendo auxiliada por um rapaz alto e
sorridente. Tinha um cabelo escuro que descia até metade das costas
e olhos também escuros, provavelmente castanhos, mas não conseguia
dizer com certeza, devido à luz. Ela não era exatamente bonita,
tinha um rosto mais interessante do que belo e seu corpo apresentava
algumas gordurinhas nos braços e na cintura. Se sentou no balcão do
bar e tomou uma garrafa de cerveja Heineken (reconheci pelo rótulo).
Pensei em ir até lá e me apresentar, mas o que diria? “Olá, meu
nome é Gregório e gostei muito da sua voz”, mas e depois? Se eu
ao menos soubesse o nome da música!
Ela
conversava com o rapaz que a ajudara a descer do palco e ria
jovialmente, eu não devia ir lá, eles deveriam estar juntos. Olhei
pra minha cerveja, a peguei na mão e comecei a me perguntar quantas
vezes já deixei de fazer coisas por pensamentos como “não vou ter
o que dizer” ou “ela não vai querer falar comigo”. Comecei a
enumerar um número considerável de vezes e prometi para mim mesmo,
naquele breve momento, que aquele instante não entraria pra minha
lista. Dei mais um gole na cerveja e fui até ela.
– Oi
– É assim que se começam as conversas, não é?
–
Ahn... oi?
–
Então, eu estou sentado ali – Fiz uma
pausa e apontei para a minha mesa, notei que meu dedo estava tremendo
e o escondi no bolso do terno – e escutei você cantando aquela
música do Oswaldo Montenegro...
–
Você também não se lembra do nome da
música, não é? – Confesso que ela me surpreendeu.
–
Bom, é... Mas eu não vim aqui apenas
para lhe perguntar. Também queria te parabenizar, você tem uma voz
linda.
Ela
enrubesceu e voltou o olhar para o gargalo de sua cerveja.
–
Bem, obrigada. E, aliás, a música se
chama “Poeta Maldito”.
–
Não! – Disse o rapaz que a acompanhava
– se chama “Poeta Maldito, Moleque Vadio”!
–
Então, nós estavamos discutindo
exatamente isso antes de você chegar.
– Eu
conhecia essa música apenas por “Poeta Maldito” também, mas
acho que não deve ter um nome correto, acredito que os dois podem
ser usados para se referir a ela. – Eu comecei a relaxar, pareciam
ser gente boa.
–
Concordo com ele, Miguel! – disse ela
virando o corpo todo, junto com a cadeira giratória, na direção do
rapaz – Acho os dois nomes razoáveis.
–
Razoável não quer dizer correto, e você
só concordou com ele porque ele concordou contigo antes.
– Ai,
Miguel! Tanto faz... – Ela girou a cadeira mais uma vez na minha
direção – Anda, senta aqui – disse dando dois tapinhas na
cadeira ao seu lado. Depois que eu estava devidamente acomodado ela
continuou:
– Eu
ainda não me apresentei né... Me chamo Clarice, e esse idiota é o
Miguel, meu irmão. Qual o seu nome?
– É
Gregório...
E
foi assim que, naquele mesmo dia, eu perdi um emprego e um par de
sapatos (foram roubados, não sei por quem); mas ganhei motivação,
ganhei um novo lugar que passei a visitar todas as noites, ganhei um
amigo que me ajudou a conseguir um novo trabalho, e ganhei uma esposa
que, além de ser linda, sabe cantar muito bem para fazer nosso filho
dormir.
Autoria: Arthur Dias
***
***
Nota 1: Quem quiser pegar o texto para uso geral, sinta-se à vontade; apenas me comunique antes e credite ao autor (Arthur Dias) e ao blog (DiscoDiVinil).
Nota 2: Finjam todos que são grandes críticos de literatura e tentem me orientar: critiquem, sugiram mudanças, apontem meus erros e comentem o que acharam do texto.
Muito legal seu texto!! Continue fazendo outros, e sempre que fizer me mande o linque... :3
ResponderExcluirRealmente, a vida do cara mudou... mas eu não senti nada demais, não teve emoção nas suas palavras. Parece que você não se esforçou para escrever o conto... é um enredo bacana, mas você precisa melhorar alguns pontos, como a sensação do leitor ao ler o que você escreveu. Até o próximo conto! ;)
ResponderExcluirObrigado por gostar do texto, Ana Carolina!
ResponderExcluirSamuca, esse foi um dos primeiros contos que escrevi. Ando meio sem tempo para escrever novos, então estou publicando alguns dos antigos. Concordo contigo que o conto não transmite muita emoção, mas quando o escrevi eu me esforcei sim para produzi-lo. Obrigado pela crítica e até o próximo conto! (:
Muito bacana esse conto!!
ResponderExcluirGostei da ideia que você transmitiu...
Queria só mencionar um detalhe: não é gramaticalmente correto começarmos frases com pronomes oblíquos (me, que você usou duas vezes). Em um diálogo, é permitido, por causa da linguagem informal e tudo mais, mas não na narrativa.
Continue escrevendo. Gosto muito de seus contos.
Nossa, sério? Obrigado pelo toque então, eu não fazia ideia mesmo disso.
ResponderExcluirObrigado por gostar do conto e por comentar. Em breve lerei seus novos textos também! ;D
Grande abraço!
Como sempre, adorei seu conto! Acho que fica até monótono repetir isso em todas as suas postagens. Mas não consigo evitar, você transmite uma doçura e tranquilidade quando escreve que é simplesmente cativante :) E esse final, ah!, foi lindo, adorei. Continue assim :)
ResponderExcluirBeijos.
http://livroscomchadastres.blogspot.com.br
Obrigado, Gabi!
ResponderExcluirEu não me importo em ler isso em todas as postagens, pode continuar repetindo. xD
Grande abraço!
Um final perfeito para uma história perfeita, muito bem escrita.Talento para escrita indiscutível.
ResponderExcluirParabéns!
Obrigado, Nágila!
ResponderExcluirAbraços.
O que e que você escreve que eu não amo?
ResponderExcluirEstava lendo os comentários acima e você disse que este é mais antigo, correto? É que percebi a sua forma de escrever diferente da que você escreve agora, mas nada que mude muito a qualidade do texto.
Achei que você deu explicação demais, explicações que poderiam ter sido omitidas ou pelo menos ditas/inseridas de outra forma, mas fora isso, está ótimo mesmo.
Ah, fui procurar a música no Youtube... achei bastante poética.
Delicioso Arthur. Gostei muito. Um conto leve, certinho, sem grandes sacadas mas muito agradável. Muito interessante a passagem da música, só que a letra está incorreta. Em vez de "O louco Quixote da grande cidade, / Da realidade, moinho a vencer" deveria ser "O louco Quixote da realidade, da grande cidade
ResponderExcluirMoinho a vencer". Consulte a página oficial do cantor.
Haha, muito obrigado, Maria!
ResponderExcluirCorreto. Esse conto é um pouco mais antigo e também acho que dei explicações demais, mas como disse, estou sem tempo para escrever um novo ou mesmo editar os antigos (também não gosto de editar contos concluídos. Prefiro publicá-los com todos os erros e imperfeições. Evidencia meu crescimento).
Você não precisava ter ido procurar a música no YouTube. Coloquei um player no final da postagem (ele é minúsculo, mas não deixa de ser um player xD). Não achei a música no SoundCloud e tive que usar esse do GrooveShark mesmo... Enfim, obrigado pelo comentário e por gostar do conto!
Alberto, obrigado pelos elogios. Não encontrei a letra no site oficial do cantor, por isso baseei-me na forma como ele canta. Aperte o play no player minúsculo do GrooveShark e ouça, ele canta da maneira que escrevi. Na letra exposta no Vagalume também está na ordem colocada por mim:
http://www.vagalume.com.br/oswaldo-montenegro/retrato.html
Caso encontre fontes mais confiáveis de como realmente é a letra, me comunique e eu modificarei isso no conto.
No mais, obrigado pelo comentário.
Grande abraço aos dois!
Oi Arthur!
ResponderExcluirAssim como a Maria eu percebi sua evolução deste conto para os mais recentes, mas mesmo assim, é um conto maravilhoso.
E assim como o Samuel, concordo que faltou um pouco de emoção. Tenho certeza que você se esforçou para escrevê-lo, mas faltou uma faísca. É ruim criticá-lo assim, porque não sei exatamente como explicar o que falta, mas... Falta.
Isso não desmente de forma alguma o que eu disse anteriormente, seu conto continua maravilhoso. Ele diverte e entretém, mas não nos faz sentir nostálgicos, sabe? Não sei se essa foi sua intenção, mas acredito que não (me corrija se estiver errada).
Mais uma vez dando atenção aos detalhes, tenho uma observação. Na hora que o Gregório escuta a Clarice cantar ele pensa:
"Eu conhecia aquela música, mas não conseguia me lembrar do nome. “Qual era mesmo o nome dessa música?” pensei, e por mais que tentasse, não consegui recordar até que ela terminou de cantar a canção, recitando toda a letra uma segunda vez".
Mas quando ele vai conversar com ela, ele diz:
"[...] e escutei você cantando aquela música do Oswaldo Montenegro..."
Não sei os outros leitores, mas eu me senti realmente surpresa ao ler essa última frase. Não me pareceu natural não incluir depois da pergunta "Qual era mesmo o nome dessa música?" algo como "É o Oswaldo Montenegro que canta, mas qual é o nome?". Entende o que eu digo? Parece que apesar de ser um texto em 1ª pessoa ele não é muito pessoal nessa parte, como se Gregório não dissesse tudo que pensa. Parece errado.
Enfim, apesar de tudo, posso ver que você teve talento desde sempre... Continue escrevendo e me avisando!
Beijos!!
Alice.
Amei seu texto, você escreve muito bem, parabéns!
ResponderExcluirOi Arthur!! Devo confessar que é a primeira vez que leio um dos seus contos! Eu já abri vários deles numa nova aba mas como eu normalmente visito/comento nos blogs à noite, me bate uma preguiça de ler textos muito grandes. Li nos comentários que esse foi um de seus primeiros contos então acho que minhas únicas críticas em relação à ele já nem devem mais existir em seus contos mais novos, mas mesmo assim, como você pediu, irei dizer quais são:
ResponderExcluir"Quase dormi quando um moço me cutucou, havia trazido a minha cerveja."
"Ela conversava com o rapaz que a ajudara a descer do palco e ria jovialmente, eu não devia ir lá, eles deveriam estar juntos."
Esses dois trechos incomodaram um pouco a leitura, acho que não fluiu muito bem a construção dessas frases, mas não sou nem um pouco conhecedora de gramática então nem sei explicar o motivo, só não me agradou mesmo. E outro ponto que também me deixou confusa já foi citado nos comentários: o personagem citar o nome do cantor da música.
Mas adorei seu texto Arthur, prometo tentar ler os próximos com mais frequência!
Beijos
Débora - Clube das 6
http://www.clubedas6.com.br
Alice, pois é, reconheço que faltou emoção e, provavelmente, foi devido ao ponto levantado pela Maria: Exagerei nas explicações e me desatentei um pouco da parte emocional do conto. Quanto à parte em que ele cita o Oswaldo Montenegro, nem pensei que isso poderia ser um problema na hora da leitura; mas concordo contigo, parece errado um texto em primeira pessoa que não expõe tudo que o narrador pensa. Obrigado pelos seus comentários enormes, haha.
ResponderExcluirAline, obrigado. (:
Dé, obrigado por ler meu conto e gostar. :]
Concordo contigo quanto aos trechos citados. A construção realizada não favoreceu a fluência da leitura... Nos contos mais recentes consigo evitar melhor frases do tipo, mas se encontrar outra pode descer o sarrafo pelos comentários. xD
Grande abraço às três!
Oi, Artur! Achei a leitura do seu texto leve, mas acredito que faltou algum diálogo que provocasse uma tensão um pouco antes do desfecho.
ResponderExcluirGostei bastante do final, mas faltou a descrição de como o personagem se sente para a reviravolta que o fim prometia.
No geral o texto é muito bom, principalmente por ser o primeiro que escreveste.
Quanto a regra da próclise, pronome antes do verbo, concordo que as regras de português devem ser seguidas porém não concordo com legalismos. Grandes escritores da literatura clássica brasileira "burlavam" algumas regras. Claro que isso depende de muitos fatores, mas é possível de se fazer isso de uma forma coerente.
Claro que essa é só minha humilde opinião, hehe!
http://meuoutroladoescritora.blogspot.com.br/
Apenas o título já conseguiu me pegar de jeito! Você escreve muito bem, não pare, estarei sempre buscando novas coisas suas para ler :)
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